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quinta-feira, junho 30, 2011


O professor preconceituoso

Por Marcos Cordiolli - http://cordiolli.com/

Marco Radice, um escritor italiano, escreveu certa vez que é que muito difícil construir pessoas “novas” sendo uma pessoa “velha”. Ele mesmo dizia, que temos tantas marcas de nosso tempo que talvez não consigamos ser plenamente pessoas “novas” então devemos nos esforcemos para sermos as últimas pessoas “velhas”.
Nós, professores e professoras, neste sentido, temos em maior ou menor grau, concepções ou práticas discriminatórias e preconceituosas, e, às vezes, até racistas. Ser professor ou professora não basta para nos livrar dos problemas do mundo e das contradições de valores. Nós somos seres concretos, ou seja, produto de nosso tempo e de nossos ambientes culturais. Sendo assim, temos um dilema que pode ser expresso da seguinte maneira: se o professor deve desenvolver ações formativas quem é que o forma, ou como ele se forma, enquanto sujeito deste processo?
A resposta para esta questão seguramente não é simples, mas podemos investigar alguns caminhos.
1. Os programas de qualificação profissional dos professores devem necessariamente abordar este tema. Não basta estudar ética ou temas que tratem de valores ou condutas! Não basta saber sobre tal ou qual assunto... é necessário que os valores e condutas efetivamente sejam incorporados a prática cotidianas dos professores e professoras em formação.
Abro um pequeno parêntese para relatar uma experiência pessoal. Certa vez, eu fui visitar uma instituição escolar, quando passava pela cancha de esporte pude assistir parte da aula de educação física. Vi adolescentes correndo sob forte sol e um deles (bastante obeso e suando muito), devido a sua condição, estava sendo humilhado verbalmente pelo professor, que pensava estar fazendo uma “pequena, inocente e carinhosa brincadeira”. Procurei o diretor da escola, um amigo, ao qual pude relatar o fato e solicitei para não repreender o professor e nem mesmo comentar o fato. Mas elaboramos algumas propostas para tratar do problema com o coletivo de docentes, no transcorrer das quais o próprio professor relatou algumas de suas prática, reconhecendo o erro e se dispondo a mudar. Ao relatar este caso não quero de forma alguma identificar os problema da discriminação com os professores de educação física (pelo contrário enquanto categoria parece ser a que mais tem discutido e atacado o problema), mas reconhecer que o fato das aulas desta disciplina ocorrem em lugar aberto os deixam mais expostos, ao olhar visibilidade externo, do que os demais colegas.
2. Os professores e as professoras mais sensíveis a este problema devem atuar permanentemente junto aos seus colegas. Sempre apresentando, problematizando e criticando posturas e valores, como, por exemplo, mantendo a sala limpa após as reuniões, assumindo posturas de separação do lixo, e evidentemente não sendo e não permitindo preconceitos, etc. Estar sempre atendo a situações cotidianas, percebendo elementos discriminatórios em materiais didáticos, atividades, relações ente e com estudantes, conversas informais, piadinhas infames etc. Um exemplo com o qual sempre nos deparamo-nos é o da discriminação através da linguagem, pois é comum encontrarmos no vocabulário dos professores palavras como “judiar” (“o menino judiou do cachorro”, ou seja, fez com cachorro “o que se faz com judeu”) ou “negro” como depreciativo (“a situação está negra”, “ou uma pessoa foi denegrida por outra”, ou seja, a situação “está como vida de negro”) entre muitos outros casos.
3. A firme ação dos professores e professoras sensíveis ao problema da discriminação agindo junto aos alunos pode produzir alguns resultados significativos possibilitando o questionamento de colegas docentes que adotam posturas discriminatórias. Eu conheço alguns casos de colegas que tiveram sérios problemas com isso, pois a partir de suas intervenções alguns outros professores e professoras passavam a ser questionados pelos alunos e alunas em comum. Muitas vezes o próprio professor ou professora se dava conta de que estava equivocado e mudava de posição, em outros casos acabava direcionando a sua ira ao colega que havia sensibilizado os e as estudantes. Pois a discriminação, em alguns casos, é inconsciente e ao ser percebida, a própria pessoa assume uma postura de mudança. Mas em muitos casos, nos quais há cristalização da discriminação o seu portador ou portadora pode abandonar o debate racional e partir para diversos níveis de conflito. Mas uma vez exposto o problema é mais fácil de trata-lo.
Uma última observação sobre este ponto: alguns colegas foram acusados de não adotar posturas éticas ao se colocarem ao lado dos estudantes. Eu penso que ter uma postura ética, não é apenas defender supostos interesses corporativos dos professores e professoras em oposição aos educandos e educandas, mas é o de assumir as nossas posições, defendendo-as nas instancias legitimas. Assim, penso eu, devemos defende-las em reuniões de docentes, frente às coordenações, mas jamais utilizar mecanismos escusos como fofocas ou articulações à surdina.
Portanto, a tarefa dos professores e professoras é, ainda, mais ampla, e ocorre em duas difíceis frentes de intervenção: de um lado procurar avançar com os alunos e alunas, por outro atuar também em relação aos colegas. Esta última tarefa parece ser a mais difícil e morosa, mas é preciso apostar neste caminho, pois quem luta contra a discriminação está imbuído dos mais humanos dos ideais e não é a oposição ou as dificuldades impostas por colegas que vai impedi-lo de seguir em frente.

Marcos Cordiolli é graduado em História e mestre em Educação: história e filosofia da educação.

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